domingo, 10 de julho de 2011

Miauuuu

Nós gatos já nascemos pobres, porem já nascemos livres.

Miau.

Mais um dia que nasce e mais uma vez ela nasce pra um dia. Se espreguiça na almofada azul aveludada, luta contra a vontade de dormir mais. Antes de abrir os olhos, pelo jeito que ela se alonga posso dizer que sera um dia daqueles.

Os gatos, os animais em geral, mas em particular os gatos, tem humor como os humanos. A diferença é que não tem a menor diplomacia. São claros, nítidos e sinceros demais pro medo de rejeição que a gente sente.

Então ela espreguiça e me olha de dentro com aquele olhar desafiador. Quero quase pedir desculpa, quero muito fazer alguma coisa pra tira-la deste vácuo em que ela se encontra vez por tantas. Porém não posso.

Não posso. Ponto. Devo aceitar. E não posso porque o excesso de liberdade que ela se sente me é tão desconhecido que não atinjo sua ausência. Não posso imaginar um defeito neste estado tão amplo.

Embora ela sinta.

Miau. Mais um dia em que me espreguiço e abro os olhos pro mundo, fofa e confortável em minha almofada azul. De veludo.

Veludo que hoje je detest. Miau. Mau abro o olho e já dou de cara com aquela cara meio verde me olhando ressabiado. Miaaaaaaaaaau. Que é cara? Um gato não pode acordar desencaixado?

É simples. Acontece não sei bem porque motivo. A 6a e 7a vertebra se desencaixam e ai, ai, ai, ai, ai…filho de uma cachorra, não consigo nem me espreguiçar.

Miau e a vida fica bloqueada. É sim, é exatamente isso. A vida é composta pelas duas correntes – positiva e negativa – que circula pela nossa espinha. Um sonho ruim, um pulo errado, uma lambida mal dada e pronto, bloqueia tudo e a vida sai do eixo.

Aí pronto, todo um dia literalmente desencaixado. Não é que eu não queria comer, não é que eu queira carinho, não é que eu queira alguma coisa, na realidade. Miaaaaaaaaaaau. Eu só quero que esta merda passe.

Que essa porra de vertebra volte ao seu lugar e a vida flua novamente. Como posso eu ser livre se a vida que deve correr em mim não flui?

As vezes acho que ele saca. Ele é delicado, sensível, embora seja meio mané.

Mas num dia em que a vida não corre, miaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaauuuuu, sabe como é que é.

Não tem telhado que seja bom pra mim. Não tem file mignon que faça minha barriga roncar. Quero que este dia acabe e minha vida volte pro lugar.

Gostaria de ajudá-la, de dizer que as vezes me sinto como ela. Mas este olhar de gata, me encerra em um plano obtuso, uma gaiola de medo, um pobre olhar blasé.